A guerra não tem rosto de mulher – Svetlana Aleksiévitch

A guerra não tem rosto de mulher é uma obra que levou muitos anos para ser concretizada, Svetlana Aleksiévitch coletou depoimentos de mulheres que foram para a guerra lutar contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Svetlana começou a coletar depoimentos no final dos anos 70, quase 40 anos depois da guerra. Deu voz para as mulheres que foram pra guerra. Uma voz que é diferente da que estamos acostumados a ouvir e que, em geral, é cheia de dor. O livro foi publicado nos anos 80, mas ganhou o mundo depois da autora ganhar o Nobel de Literatura em 2015.

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Tudo o que sabemos da guerra conhecemos por uma “voz masculina”. Somos todos prisioneiros de representações e sensações “masculinas” da guerra. Das palavras “masculinas”. Já as mulheres estão caladas. Ninguém, além de mim, fazia perguntas para minha avó. Para minha mãe. Até as que estiveram no front estão caladas. Se de repente começam a lembrar, contam não a guerra “feminina”, mas a “masculina”. Seguem o cânone. E só em casa, ou depois de derramar alguma lágrima junto às amigas do front, elas começam a falar da sua guerra, que eu desconhecia. Não só eu, todos nós. 

Lendo o livro, parando no meio para dar um tempo e ler algo mais leve, quase abandonando o livro, várias questões vieram à minha mente. Algumas mulheres foram obrigadas a ir para a guerra, mas a maioria que deu depoimento, escolheu ir. A maioria ainda adolescente lutou para ir para a guerra.

Os velhos têm medo da morte, já os jovens riem dela. São imortais. Eu não acreditava que podia morrer…
Anna Semiónovna Dubróvna-Tchekunova, primeiro-tenente da guarda, piloto

Uma questão que ficou muito clara foi que essas meninas foram para a guerra porque acreditavam na pátria (e pensando, não é por isso que as pessoas continuam indo pra guerra em 2017?). Algumas comentam que a sobrevivência da pátria era mais importante do que a vida individual. Eu sempre fico intrigada com as pessoas querendo ir pra guerra…

“Tinha a Tchernova que, já grávida, transportou uma mina junto ao quadril, sendo que ali pertinho batia o coração do seu futuro bebê. Daí você vai entendendo que pessoas eram essas. Nós não precisamos entender, éramos assim. Nos ensinaram que nós e a pátria somos a mesma coisa.”

“Talvez fôssemos cegos, nem vou negar isso, nós na época não sabíamos e não entendíamos muita coisa, mas éramos cegos e puros ao mesmo tempo. Éramos feitos de duas partes, de duas vidas. Você precisa entender isso…”
Vera Serguêievna Romanovskaia, enfermeira partisan

Quando pensamos em mulheres na guerra, normalmente associamos a enfermeiras, é nesse papel que as mulheres são representadas em histórias. É impressionante descobrir que as mulheres foram para a guerra para fazer de tudo. Talvez seja um reflexo do comunismo, no qual a desigualdade no mercado de trabalho era menor. Mulheres soviéticas fizeram de tudo,  foram enfermeiras, cozinheiras e lavadeiras, mas também foram franco atiradoras, paraquedistas, maquinistas.

Muitas mulheres não conseguem falar sobre essa época. Depois de lutar e dar a vida pela pátria, elas foram rebaixadas a mulheres inferiores. Os homens que eram como irmãos para elas na guerra, ignoraram elas depois. Outras mulheres começaram a tratá-las como prostitutas… Imagino como deve ter sido difícil voltar para a vida real, depois de perder tanto. Podem ter sobrevivido à guerra, mas parte delas morreu junto com os tantos que morreram na guerra. Nem todas histórias são difíceis de ler. Há mulheres que foram felizes na guerra. Há mulheres para as quais essa foi a melhor época da vida. Além da luta, sangue, fome, sofrimento, dor, morte, houve amor. Deu um grande alívio chegar a parte do livro dedicada ao amor. O sofrimento continuou, mas também tinha alguma coisa bonita, gratificante, algo que aliviava o coração dessas mulheres…

“No começo nos escondíamos, não usávamos nem as medalhas. Os homens usavam, as mulheres não. Os homens eram vencedores, heróis, noivos, a guerra era deles; já para nós, olhavam com outros olhos. Era completamente diferente… Vou lhe dizer, tomaram a vitória de nós. Na surdina, trocaram pela felicidade feminina comum. Não dividiram a vitória conosco. Isso era ofensivo… Incompreensível… Porque, no front os homens tinham uma relação maravilhosa conosco, sempre nos protegiam; na vida de paz, nunca vi nos tratarem bem assim.”
Valentina Pávlovna Tchudáieva, sargent, comandante de canhão antiaéreo

“Eu estava indo como uma heroína, nunca tinha pensado que podiam receber uma garota do front daquele jeito. Já tínhamos passado por tanto, salvado os filhos para aquelas mães, os maridos para aquelas mulheres. E de repente… Conheci o que são ofensas, escutava injúrias. […] À noite nos sentamos para tomar chá, a mãe levou o filho para a cozinha e chorou: ‘Com quem você casou? Uma do front… Você tem duas irmãs mais novas. Quem vai casar com elas?’
Tamara Stiepánovna Umniáguina, terceiro-sargento da guarda, enfermeira-instrutora

A pátria valia a vida. Ir para o front se tornou o sonho de muitas meninas. Depois de décadas, o sofrimento delas parece não ter valido a guerra… a leitura é um nó na garganta constante.

Sim, ganhamos, mas a que preço? A que preço terrível!?
Albina Aleksándrovna Gantimúrova, primeiro-sargento, batedora

Foi um livro bem difícil de ler. Svetlana Aleksiévitch intercala entre os depoimentos o diário de escrita, o que torna o livro ainda mais interessante. Já adicionei outros livros dela na lista, mas não sei quando vou ler. São livros com pessoas reais, com sofrimento real, não é fácil…

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