Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie

Conheci a Chimamanda pelos TEDs e pelo livro Sejamos todos feministas (resenha aqui). Os livros dela estavam na minha lista de leitura, mas não sabia do que se tratavam. Resolvi dar uma pausa no Ciclo de Avalon, e escolhi Hibisco Roxo para ler. Gente, que livro! Como eu não sabia do que se tratava o livro, toda a tensão dele me pegou de surpresa. Não estava planejando ler algo pesado agora, mas já tinha começado e precisava continuar.

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Se eu fosse definir o livro com uma palavra, essa palavra seria pesado.

O livro é narrado por Kambili (15 anos), filha de Eugene e Beatrice, e irmã de Jaja, uma família nigeriana e cristã exemplar para a sociedade, mas com um pai e marido abusivo dentro de casa. O livro mal começa e já dá para sentir a tensão da família. Eugene é um super bem sucedido empresário e super cristão. É o tipo de pessoa que faz doações para igreja, ajuda as pessoas que estão precisando (desde que sejam católicas), paga escola para muitas crianças, ajuda a comunidade da sua vila natal. Dá dinheiro para todos que se converteram e quer que os outros saibam o que ele está fazendo. Ele quer salvar sua alma e a da família. Reza horas por dia. Para salvar a alma dos filhos e da mulher, pode achar que é Deus e os castigar pelos pecados deles. Enquanto isso, Beatrice, Jaja e Kambili vivem praticamente em uma prisão, nem o pensamento é livre.

“Pancadas pesadas e rápidas na porta talhada à mão do quarto dos meus pais. Imaginei que a porta estava emperrada e que Papa estivesse tentando abri-la. Se imaginasse aquilo sem parar, talvez virasse verdade.”

Kambili conta a história de quando as coisas começaram a mudar, no mesmo momento que a situação política da Nigéria também estava mudando. Enquanto ela contava, eu não conseguia parar de ler e pensar que isso acontece tanto na vida real. O super empresário e/ou pai que é ótimo para a comunidade e que nunca alguém acreditaria que ele é um abusador. O cara que faz doações mais para inflar o ego do que pelas doações, que quer ser adorado.

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As coisas mudam quando Kambili e o irmão vão para a casa da tia Ifeoma (professora universitária), e convivem durante um curto tempo com os três primos, super politizados e independentes, que riem fácil e levemente apesar da pobreza. É quando ela começa a perceber que deve ser errada a forma como o pai os trata. Apesar de ela, Jaja e a mãe acharem que não é certo o que o pai faz com eles (afinal eles nunca contam para ninguém o que se passa na casa), nunca tiveram coragem de se impor, mesmo que seja por coisas simples, como almoçarem juntos durante a semana. Se o pai faz o que faz é só para salvá-los. Se eles fazem tudo que o pai manda, ficam felizes, porque o pai ficou orgulhoso. E se não fizerem, sofrem as consequências.

“Papa dissera a Mama que o que ela tinha feito era pecado. Ninguém devia se prostrar diante de outro ser humano. Era uma tradição pagã, prostrar-se diante de um Igwe. Por isso, alguns dias depois, quando fomos ver o bispo em Awka, eu não me ajoelhei para beijar o anel dele. Queria deixar Papa orgulhoso. Mas Papa puxara minha orelha no carro, dizendo que eu não possuía o espírito do discernimento”

O livro é super pesado e tenso. O tipo de história que dá uma angústia parar de ler.

“Até então eu me sentira como se não estivesse ali, como se estivesse apenas observando uma mesa onde se podia dizer o que você quisesse, quando quisesse, para quem quisesse, onde o ar era livre para ser respirado à vontade”

Mas o livro também tem um lado lindo. É lindo ver Kambili recebendo amor, aprendendo com a tia e os primos o que é uma família. Aprendendo com um padre que tolerância religiosa não te condena ao inferno, e que conviver com um “pagão” não é ruim. Vendo o “pagão” pedir aos seus deuses por todos da mesma forma, inclusive os que o rejeitam. As descobertas dela são lindas. Apesar de todo o sofrimento, ela aprende que a vida pode ser mais do que ficar tensa e com medo quando o pai está em casa.

“Eu nunca me perguntara em que universidade estudaria nem em que me formaria. Quando chegasse a hora, Papa decidiria.”

Lendo o livro me lembrei da quarta temporada de Dexter. É uma família muito parecida com a família do Arthur Mitchell.

“Eu já conhecia o medo, porém quando o sentia ele nunca era o mesmo da outra vez, como se viesse em sabores e cores diferentes”

Acabei o livro com o sentimento “eles vão ficar bem”. O mais difícil é saber que tem tantas e tantas famílias que passam pelo mesmo. Talvez o abuso não esteja disfarçado em salvação da alma, talvez tenha outros nomes que “justifiquem”. Espero que todas famílias que passam por isso também fiquem bem, que consigam se desvenciliar e perceber que abuso não é amor. Abuso não é proteção. Violência é violência, não tem outro nome.

Um livro que eu recomendo sem nem pensar, é um livro pesado, não é uma história para relaxar. Quando estiver bem, lê, e depois me fala o que achou. E se você já leu esse ou outro livro da Chimamanda, me conta nos comentários.

Se você passa por uma situação similar a do livro, saiba que você não está sozinha (o). Você pode ligar para o 180 (Central de Atendimento à Mulher), a ligação é gratuita e o telefone está disponível 24 h em todo país. Em algumas cidades há Centros de Atendimento para Mulheres Vítimas de Violência que oferecem apoio social, jurídico e psicológico sem precisar de boletim de ocorrência.

Onde comprar o livro: Amazon.

6 comentários sobre “Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie

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